domingo, 27 de abril de 2008

Desenvolvimento sustentável ad calendas græcas? Mestrado debateu a Empresa “Cidadã”

Desenvolvimento sustentável ad calendas græcas? Mestrado debateu a Empresa “Cidadã”


Em palestra a três vozes – dentro da I Semana de Extensão sobre “Cidadania, Saberes e Transformações”, promovida pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA) –, a Professora Gisela Maria Bester, orientadora, e seus orientandos, Aline Koladicz (mestranda da turma 2007 e professora da UTP) e Professor MSc. Jorge Ieski Calmon de Passos (mestre e professor do UNICURITIBA), reuniram-se em 14/4/2008, das 10 às 12 horas, no Miniauditório do Campus Milton Vianna Filho, para discorrer sobre a “Empresa ‘Cidadã’ e o Desenvolvimento Sustentável”.

Aline Koladicz, Gisela Maria Bester e Jorge Ielski Calmon de Passos.

A Professora Gisela, que conduziu as apresentações, iniciou esclarecendo como o tema proposto se insere nos quadros do Mestrado da Instituição, do qual é coordenadora, sobretudo na Linha de Pesquisa 2 "Atividade Empresarial e Constituição: inclusão e sustentabilidade". Além disso, localizou a discussão no conjunto histórico e social maior, sensibilizando os acadêmicos presentes para a emergência da temática. Ainda, “costurou” a proposta com eventos anteriores, tais como Filmografia e Painel de Debates, promovidos, em conjunto, pelo Núcleo de Pesquisa e Extensão do UNICURITIBA e pelo Grupo de Pesquisa que lidera no Programa de Mestrado, intitulado “Efetividade dos Preceitos Constitucionais sobre Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social Ambiental: quo vadis, empresa brasileira?”


De um modo instigante, a Professora Gisela contextualizou o tema da cidadania empresarial, fazendo uso da figura de calendas, de que deriva a palavra “calendário” e referindo-se a uma modalidade de divisão do tempo usada pelos romanos, inexistente entre os gregos. A expressão calendas gregas significa “aquilo que nunca será enfrentado, cumprido, executado”. “Por quanto tempo ainda permaneceremos a mandar as questões da sustentabilidade e de nosso futuro comum para as calendas gregas?”, indagou aos presentes.

Alunos de diversos cursos da graduação do UNICURITIBA.

Foi com base nesse mote que decorreram as apresentações.A própria Professora Gisela fez diversas pontuações preliminares. Explicou quão recente é o despertar para essa discussão, de modo mais preciso iniciada apenas na década de 60 (século XX), enquanto preocupação de cientistas de múltiplas áreas (sem haver uma presença significativa dos juristas nesse período). Referiu-se, ainda, às raízes que o termo “desenvolvimento sustentável” deita na Economia, área na qual se originou o conceito – que posteriormente foi encampado no âmbito multidisciplinar, incluindo seu uso no Direito. Ressaltou, por isso, o necessário estudo, para embasamento, de autores da Economia do Desenvolvimento, como Amartya Sen e Ignacy Sachs (ética imperativa da solidariedade, sincrônica e diacrônica entre as gerações presentes e futuras) e da Sociologia, como Michel Serres (necessidade do contrato natural enquanto postulado ético com todas as espécies vivas da Terra, em complemento aos já estabelecidos contratos sociais). Nesse contexto, a Professora Gisela retomou discussões pretéritas, como as da filmografia The corporation, especificamente na passagem em que o documentário afirmou a tolice de nossa civilização: “Pensa que está voando, mas na verdade está caindo”, em analogia ao progresso econômico e tecnológico que traz a destruição dos recursos naturais.


Em continuidade, a Professora Gisela referenciou o artigo A natureza em seu lugar, de Roberto Mangabeira Unger, em que o autor propõe “receitas” simples para enfrentar os efeitos negativos e perversos da racionalidade econômica, enfatizando que os gestos locais (de indivíduos e, com maior peso, de empresas) têm sempre reflexos globais. Portanto, se tais gestos se pautarem por um processo de otimização de valores constitucionais – que mais do que chavões piegas representam deveres constitucionalmente estabelecidos – poderão refletir-se globalmente, só que de modo positivo, a partir de uma racionalidade ambiental. Após construir esse entendimento, a professora explicou o significado da expressão “empresa cidadã”, frisando que a empresa não é ontologicamente cidadã, mas pode – e deve – ter posturas cidadãs. Para tanto, citou o conceito de responsabilidade social empresarial, elaborado por Carlos Alberto de Faria Gaspar (2008):


[...] um processo contínuo e progressivo de envolvimento e desenvolvimento de competências cidadãs da empresa, com a assunção de responsabilidades sobre questões sociais e ambientais relacionadas a todos os públicos com os quais ela interage: o corpo de colaboradores diretos (público interno), sócios e acionistas, fornecedores, clientes e consumidores, mercado e concorrentes, poderes públicos, imprensa, comunidade e o próprio meio ambiente.


Para revelar a progressiva assimilação do conceito de Empresa “Cidadã” na realidade das práticas sociais, a Professora Gisela mencionou a existência, no sistema FIEP (Federação das Indústrias do Paraná), do Conselho Paranaense de Cidadania Empresarial.


Ao finalizar a parte introdutória do debate, a Professora Gisela justificou a proposta do evento como prática de educação ambiental, portanto de consecução de uma importante incumbência constitucional das instituições de ensino (artigo 225, § 1º, IV, CF/88), tendo em vista o fomento da mutação de círculos viciosos em círculos virtuosos, demonstrando preocupação com a sustentabilidade.


Nesse contexto, o Professor Jorge Ieski Calmon de Passos discorreu sobre a sustentabilidade empresarial enquanto sensibilidade cultural desenvolvida sobretudo após o conjunto de mudanças sociais seguidas à Segunda Guerra Mundial, especialmente na década de 60. Para tanto, destacou alguns exemplos com base em constatações de Enrique Leff, tais como a proliferação de tecnologias, a explosão demográfica, a pobreza e a exclusão social em países subdesenvolvidos, a formação de classes globais de consumidores (grupos financeiros e multinacionais), o hábito desenfreado de publicidade sem ética e a crise ambiental universal.


Como reações a esse referido contexto desolador, o Professor Calmon aprofundou a explanação detendo-se em determinados momentos históricos de busca de concreção da sustentabilidade e conceituação de sustentabilidade empresarial. Dessa forma, fixou como marco primeiro de sua análise a Conferência de Estocolmo, ocorrida em 1972, cujo objetivo principal foi conter a sede de desenvolvimento irrefreado, em face do esgotamento dos recursos ambientais e da falibilidade e finitude dos sistemas naturais, em um grave momento de alastradas discussões científicas sobre aquecimento global, afetação da camada de ozônio, poluição das águas e extinção de espécies, entre outras agressões tanto ao ambiente quanto ao ser humano.


Além disso, o Professor Calmon referiu-se à Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, que em 1987 publicou o Relatório Brundtland, conhecido como Nosso futuro comum, que, com a Conferência de Estocolmo, serviu como suporte para sérias formulações posteriores, a exemplo da Agenda 21, redigida na ECO-92, do Fórum Rio +5, ambos no Rio de Janeiro, do Protocolo de Kyoto (1997) e do Fórum Rio +10 (Joanesburgo).


Com base em algumas das formulações teóricas predominantes nesses proveitosos momentos, o Professor Calmon, em linhas similares ao que anteriormente havia sido dito por sua orientadora, enfatizou a concepção de educação ambiental comprometida com a conscientização humanitária das pessoas, buscando vincular consumo e política na formação de uma postura cidadã.


Finalmente, o Professor Calmon considerou os indicadores de sustentabilidade como delimitadores da ação das empresas. Alertou aos ouvintes quanto à possibilidade do uso de indicadores como mera arma de publicidade, e, depois dessa ressalva, fez uma breve análise dos índices de sustentabilidade. De tal modo, o Professor Calmon falou sobre o estabelecimento, em 1999, de um índice específico de sustentabilidade na Dow Jones, assim como o Índice de Sustentabilidade Empresarial promovido na Bovespa, que propiciam às empresas ações diferenciadas nas bolsas de valores.


Como fonte de dados, o Professor Calmon citou especificamente o Guia Exame de Sustentabilidade, publicado no final de 2007, relacionando 20 empresas consideradas modelo de sustentabilidade empresarial no Brasil, avaliadas segundo critérios diversos, como racionalização de procedimentos, economia de água e luz, responsabilidade social, convergindo, todas essas características, na mentalidade empreendedora lúcida das projeções externas da empresa enquanto agenciadora social. Concluiu comentando brevemente a Conferência da ONU sobre Mudança Climática, ocorrida em Bali, no final de 2007, como alternativa aos entraves nas negociações do Protocolo de Kyoto.


Intermediando a transição da fala do Professor Calmon à da Professora Aline, a Professora Gisela ressaltou a necessidade de um consumo sóbrio e criterioso, em contraposição ao consumo indecente, segundo entendimento de Ignacy Sachs.


A mestranda Aline Koladicz, na esteira da análise de índices específicos aberta pelo Professor Calmon, discutiu o caso peculiar da Petrobras, empresa em que trabalha, na refinaria de Araucária. A Professora Aline analisou o documento Balanço social e ambiental, de 2006, em que essa empresa busca transparecer à sociedade os resultados de suas atividades. A mestranda chamou a atenção dos ouvintes às considerações de Juarez Freitas quanto às distinções entre precaução e compensação nas ações sobre o meio ambiente, salientando a imprescindibilidade da precaução como norte maior do agir das empresas.


Distinguiu, ainda, crescimento econômico e desenvolvimento sustentável, pois, enquanto este engloba conseqüências internas e externas da atuação empresarial, aquele se restringe aos valores financeiros da empresa. A partir desses conceitos a mestranda discutiu três variáveis do documento, os quais julgou mais relevantes no momento: o consumo de energia, demonstrando assim a preocupação com a eficiência energética; a emissão de dióxido de carbono (precaução) e os passivos ambientais (prevenção e compensação).


Com tais categorias, a Professora Aline pretendeu estabelecer as relações entre os conceitos teóricos e os resultados práticos, concluindo a análise acerca dos passivos ambientais, incidentes e multas com uma visão otimista.


Por essa análise, um juízo de proporcionalidade passa a ser mais vantajoso às empresas sustentáveis atuar preventivamente do que compensar os danos posteriormente, ainda que isto geralmente seja economicamente mais viável.


Ao encerrar os trabalhos, a Professora Gisela tornou a enfatizar a educação ambiental, que permeou o discurso dos três palestrantes, e citou outra passagem de Roberto Mangabeira Unger (2005, p. 158):


[...] em uma democracia, a escola deveria falar para o futuro, não para o Estado ou para a família, propiciando às crianças os instrumentos com os quais elas resgatarão a si mesmas dos preconceitos de suas famílias, dos interesses de suas classes e das ilusões de sua época.


Uma das grandes ilusões de nossa época, segundo a Professora Gisela, “é pensar que estamos progredindo muito quando, na verdade, estamos nos matando, por ações agressivas perpetradas no meio ambiente interno (violência laboral) e externo (destruição dos recursos naturais) às empresas”.


Referências e mais informações


GASPAR, Carlos Alberto de Faria. Responsabilidade social ambiental empresarial: do conceito à prática. Disponível em: <www.crescer.org/labideias.php?&idArt=4>. Acesso em: 26 mar. 2008. (Artigo publicado em 29/5/2005).


<http://quovadisempresabrasileira.blogspot.com/>. Sítio do Grupo de Pesquisa.


<http://www.law.harvard.edu/faculty/unger/>. Sítio do Prof. Unger.


THE CORPORATION, EUA, 2003. Documentário dirigido por Mark Achbar e Jennifer Abbott. Roteiro adaptado por Joel Bakan de seu livro (The corporation: the pathological pursuit of profit and power).


UNGER, Roberto Mangabeira. A natureza em seu lugar. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, n. 5, p. 155-158, jan./jun. 2005.

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