domingo, 3 de maio de 2009

FILMOGRAFIA DO MESTRADO APRESENTA A LUTA DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESARIAIS















FILMOGRAFIA DO MESTRADO APRESENTA
A LUTA DE DIREITOS HUMANOS E
EMPRESARIAIS EM TORNO
DA ESCASSEZ DA ÁGUA

Foi realizada, em 28/3/2009, a 5ª Filmografia do Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do UNICURITIBA, com a participação de professores, alunos e egressos da Instituição.

Com o filme “The Bottom Line: privatizing the world”, os presentes discutiram sobre “a luta entre direitos humanos e empresariais em torno da escassez da água”.

Coordenado, na oportunidade, pela Professora Katya Isaguirre, o debate contou com a participação de Eneas Souza Machado, gerente de Bacia Hidrográfica da SUDERHSA; Karine Silva Demolier, doutoranda pela PUCRS e autora do livro “Água e Saneamento Básico: regimes jurídicos e marcos regulatórios no ordenamento brasileiro”; André Filipe Pereira Reid dos Santos, professor da Faculdade de Direito de Curitiba e colaborador externo do programa, e, ainda, de Robson Ochiai Padilha, mestrando do UNICURITIBA.

A Filmografia foi apresentada com duração de quatro horas no Grande Auditório do Câmpus Milton Vianna Filho.

quinta-feira, 26 de março de 2009

MESTRADO DO UNICURITIBA CONVIDA PARA SUA 5ª FILMOGRAFIA

MESTRADO DO UNICURITIBA CONVIDA PARA SUA 5ª FILMOGRAFIA, DIA 28/03/2008 DAS 08H30 ÀS 12H30
A luta entre os direitos humanos e empresariais em torno da escassez da água, com o documentário THE BOTTOM LINE: PRIVATIZING THE WORLD (O bem-comum), 2002, Canadá, 62 minutos, dirigido por Carole Poliquin
A irrefragável essencialidade da água se manifesta em seu papel determinante na manutenção direta dos organismos vivos e em seu uso na produção de energia e na indústria em geral. A máxima "sem água, sem vida" permite vislumbrar quão determinante este elemento é na estruturação da vida material e na ampla cadeia dos direitos humanos.
Todavia, embora recurso sobremodo fundamental, seja nos cenários de sua escassez – pobreza e doenças, seja nos de sua abundância – ganância e desperdício, a água têm sofrido múltiplas agressões em sua adequada distribuição e em sua devida qualidade, e os nefastos resultados desta má ou descomprometida administração são explicitamente sentidos por aqueles que encontram, no precioso líquido, seu principal esteio existencial.
Os seres vivos, incluindo-se nesta categoria o Planeta Terra, e, mais precisamente, os seres humanos, são os que têm seu alento ameaçado quando as águas subterrâneas, os mananciais ou os leitos são poluídos por indivíduos, por empresas ou por lixões, quando as matas ciliares são devastadas, quando a legislação ambiental e o planejamento urbano são desrespeitados. Enfim, quando a água é maltratada, está-se a ferir o composto capital das íntimas estruturas da vida que anima o meio ambiente.
Mera necessidade ou efetivo direito humano? Bem econômico estritamente dotado de valor de troca ou condição indispensável à manutenção de uma vida minimamente digna? Quando a água se torna o "Ouro Azul" chega a hora de se repensar sua natureza, seus significados e as medidas que são usadas no manejo e na destinação deste bem natural de valor transcendente.
Justamente para estes forçosos pensar e criticar as questões do caro problema contemporâneo das águas e da privatização do bem-comum, tendo-se para tanto fundamentos em preceitos jurídico-constitucionais e de outras ciências sociais, é que se faz o convite a este privilegiado espaço de reflexão e de debates proporcionado nas práticas de educação ambiental que se realizam nos eventos de Filmografia Seguida de Debates, do qual debatedores e demais presentes participam na conjunta formulação de propostas para se traçar estratégias que visem a assegurar um patamar decente ao nosso futuro comum.

Evento promovido pelo UNICURITIBA e pelo Grupo de Pesquisa científica "Efetividade dos preceitos constitucionais sobre desenvolvimento sustentável e responsabilidade socioambiental: quo vadis, empresa brasileira?", oferecido pela Linha de Pesquisa 2, Atividade Empresarial e Constituição: inclusão e sustentabilidade, do Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba. Orientado pela Professora Doutora e Constitucionalista Gisela Maria Bester.
http://quovadisempresabrasileira.blogspot.com/

A LUTA ENTRE DIREITOS HUMANOS E EMPRESARIAIS EM TORNO DA ESCASSEZ DA ÁGUA. PROFESSOR(ES): ENÉAS SOUZA MACHADO, ANDRÉ FILIPE PEREIRA REID DOS SANTOS, KARINE SILVA DEMOLIER (PUCRS), GISELA MARIA BESTER, ROBSON OCHIAI PADILHA INSCRIÇÕES: 04/03/2009 ATÉ 27/03/2009 PERÍODO: 28/03/2009 ATÉ 28/03/2009 CARGA HORÁRIA: 4 LOCAL: CÂMPUS MILTON VIANNA FILHO - RUA CHILE - Sala : Grd.Aud. DIAS/HORÁRIOS DE AULA: SÁBADO - 08:30 ATÉ 12:30PÚBLICO ALVO/INVESTIMENTO (À VISTA): ALUNO, COMUNIDADE, EX-ALUNO, FUNCIONÁRIO, PROFESSOR ( R$ 0,00 )

LINK PARA INSCRIÇÃO:
http://vestibularfic.aena.br/extensao/extensao_primeiro.php?TIPO_TURMA_ESPECIAL=61

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

PROFESSORA DO UNICURITIBA MINISTROU PALESTRA EM EVENTO COMEMORATIVO AO DIA INTERNACIONAL DE COMBATE À CORRUPÇÃO

PROFESSORA DO UNICURITIBA MINISTROU PALESTRA EM EVENTO COMEMORATIVO AO DIA INTERNACIONAL DE COMBATE À CORRUPÇÃO

A Professora Gisela Maria Bester, coordenadora do Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania, do UNICURITIBA, e líder do Grupo de Pesquisa "Efetividade dos preceitos constitucionais sobre desenvolvimento sustentável e responsabilidade socioambiental: quo vadis, empresa brasileira?", participou do evento comemorativo ao Dia Internacional de Combate à Corrupção, organizado pela Regional Paraná da Controladoria-Geral da União e realizado em 9/12/2008, no Auditório Caio Amaral Grüber, do Centro Integrado dos Empresários e Trabalhadores do Estado do Paraná e Federação das Indústrias do Estado do Paraná (CIETEP/FIEP).

O evento contou com apresentações de instituições parceiras e de ONGs, divulgação de portais de transparência (Portal da Transparência, Portal dos Convênios, Portal do Controle Social) e solenidades oficiais. Além disso, houve duas mesas de debate, cujo objetivo principal foi o de discutir caminhos para se fortalecerem e se incentivarem o exercício da cidadania e os projetos de controle social – a exemplo dos observatórios sociais de monitoramento de contas públicas, que exigem transparência dos gastos –, uma vez que o conceito de controle social engloba a participação da sociedade civil na elaboração, no acompanhamento e na fiscalização das políticas e das ações públicas.

Uma das mesas, ocorrida das 10 às 12 horas, intitulava-se “Terceiro Setor e Controle Social” e a outra, das 15h30 às 17h30, “Universidades e Controle Social”, havendo nesta, sob a coordenação do Professor Dr. Fabiano Mourão Vieira (CGU – Regional Paraná), a participação da Professora Gisela como palestrante, com os demais docentes convidados, Ana Lúcia Jansen de Santana (UFPR), Sérgio Soares Braga (UFPR) e Rodrigo Pironti Aguirre de Castro (Facinter e OAB).

O público era heterogêneo, formado por docentes, discentes, funcionários públicos e empresários. Em sua fala, a Professora Gisela partiu de sua experiência como constitucionalista para enfatizar aspectos éticos e constitucionais na proposição de soluções ao problema da ainda tímida participação das universidades no controle social. Assim, destacando que os deveres fundamentais instituídos pela Constituição de 1988 simbolizam a maturidade de um povo, frisou o caráter atitudinal do autocontrole, ressaltando a necessidade de se criar uma atmosfera de probidade que vincule indivíduos e instituições no mais adequado atendimento dos princípios constitucionais orientadores da cidadania ativa e da gestão da coisa pública, tais como imperativos de transparência, ética, moralidade e probidade, decorrentes do princípio republicano, com especial destaque aos preceitos da cidadania socioambiental.

A Professora Gisela explicou que no UNICURITIBA não há nenhuma Linha de Pesquisa que diretamente contemple a temática da Fiscalização e do Acompanhamento de Políticas Públicas e das Ações Públicas, como ocorre, por exemplo, no Campus Leste da USP, que possui um curso de graduação em Gestão de Políticas Públicas. Embora isso, destacou o trabalho desenvolvido na área de concentração do Mestrado do UNICURITIBA, em Direito Empresarial e Cidadania, tanto em suas Linhas de Pesquisa como nos Grupos de Pesquisa mantidos nesse mesmo curso, que tangenciam o tema ao investigarem elementos da responsabilidade, da inclusão e da função social, da sustentabilidade e da ética nas atividades empresariais. Além disso, destacou eventos de extensão, tais como a Filmografia seguida de debates, realizada em março de 2008, com o documentário “The Corporation”, em que a temática foi tocada transversalmente.

Gisela Bester também fez especial menção à indagação presente no livro “Somos ou estamos corruptos?”, como mote para a reflexão prudente sobre a gênese da corrupção no Brasil, a qual deve ponderar, entre outros, o aspecto de termos certa vocação histórico-cultural para sermos corruptos e corruptíveis e aquele ligado a condições materiais fáticas (baixos salários, desemprego, economia informal etc.) que possam propiciar o surgir e o vicejar da corrupção.

A Professora finalizou expressando os parabéns aos organizadores do evento, tanto pela vanguarda na discussão séria do controle social como pela primorosa qualidade e didática dos materiais e documentos produzidos pela Controladoria-Geral da União para veicular informações sobre o tema. Enfatizou o caráter proativo do movimento, ao formar inteligências coletivas pensantes sobre o tema na sociedade civil organizada. Relembrou o essencial papel dos docentes enquanto formadores de opinião e sinalizou a vontade política do UNICURITIBA quanto ao engajamento na nobre e emergencial causa que é a do combate à corrupção em nosso país.


Mais informações em:

COSTA, Caio Túlio (Org.). Somos ou estamos corruptos? São Paulo: Instituto DNA Brasil, 2006.

CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br>.

PRESIDÊNCIA DA CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Convenção da OCDE. Brasília: CGU, 2007.

PORTAL DOS CONVÊNIOS. O portal dos convênios do governo federal. Disponível em: <http://www.convenios.gov.br/portal>.

PORTAL DO CONTROLE SOCIAL. Disponível em: <http://www.controlesocial.pr.gov.br>.

PORTAL DA TRANSPARÊNCIA. Saiba como o governo federal aplica o dinheiro público. Disponível em: <http://www.portaldatransparencia.gov.br>. 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Artigo científico selecionado e apresentado no 3° SEMINÁRIO PARA A SUSTENTABILIDADE – FAE Centro Universitário

Artigo apresentado em 12 de novembro de 2008 no 3° SEMINÁRIO PARA A SUSTENTABILIDADE, promovido pela FAE Centro Universitário. Foi apresentado de acordo com a metodologia de exposição oral amparada em PowerPoint, seguida de debates, no contexto do painel sobre a área temática “Educação para a sustentabilidade”. (Leia a notícia completa).
Malhas de luz, caleidoscópios da vida: o diálogo entre The Corporation e Koyaanisqatsi visando à racionalidade ambiental como proposta de educação para outra forma de viver na sociedade de risco

Professora Doutora Gisela Maria Bester (UNICURITIBA)
profagmb@hotmail.com
Eliseu Raphael Venturi (UNICURITIBA)
raphaelventuri@gmail.com


RESUMO
A partir de considerações constitucionais sobre direitos e deveres de tutela ambiental escolhe-se a educação para a sustentabilidade como enfoque motor à busca da efetividade destes preceitos na construção da cidadania em uma sociedade de risco. Especifica-se o tema via estratégia da tecnologia educacional em eventos de filmografias baseadas na apreciação seguida de debates das obras The Corporation (2003) e Koyaanisqatsi: life out of balance (1983), como objeto para o planejamento e a prática pedagógicos. Cogita-se, tanto em espaços formais quanto informais, englobar as instituições de ensino e as empresas como lugares privilegiados para a problematização, a conscientização e a subseqüente influência da racionalidade ambiental na formação de mentalidades. Discorre-se, na textura, sobre um entendimento de racionalidade ambiental como fundamento epistemológico para a transição a um modelo social e produtivo de maior sustentabilidade, com cidadania ambiental e qualidade de vida. Demonstra-se também a premente necessidade de as novas atividades empresariais serem implementadas – e de as já existentes serem remodeladas – a partir dos critérios do desenvolvimento sustentável e de responsabilidade empresarial socioambiental, visando à busca de soluções que permitam a coexistência da natureza – inclusive, e sobretudo, a humana – com uma nova dimensão qualitativa dos processos de produção de bens e serviços na sociedade contemporânea. Assim, focando-se em análises interdisciplinares da temática, propõe-se realizar a crítica ao atual status quo de modo responsável e com uma envolvente ambiência para a discussão do “nosso futuro comum”. Ao final, relata-se brevemente experiências de audiência e de percepção dos filmes implementadas no ensino superior.
Palavras-chave: Tecnologia Educacional, Filmografia, Racionalidade Ambiental, Educação Ambiental, Desenvolvimento Sustentável.

INTRODUÇÃO
A partir da segunda metade do século XX pode-se afirmar que a idéia de uma crise ambiental assumiu contornos nítidos e extensa relevância, especialmente nas sociedades ocidentais capitalistas, tanto pelo do elevado número de desastres industriais e de condições laborais desumanas, quanto em razão do peso de diversos e profundos encontros internacionais para discussão e normatização das questões do meio ambiente. Nesse contexto, repensar o modo de racionalidade econômica operante acabou por ser inevitável.

O mundo produtivo certamente não poderia ser estacionado, pois negar o trabalho do homem na modificação das condições naturais seria pressupor um mundo de divindades, que não requereria a transformação das condições naturais, estas nem sempre tão complacentes e acolhedoras. Ao mesmo tempo, pensar na não-intervenção sobre os rumos do trabalho e da produção, nos moldes em que estavam sendo desenvolvidos, seria pôr em vulnerabilidade essa mesma existência humana, desta vez causada não somente por ameaças naturais, mas também pelos riscos e perigos criados pelo próprio homem.

Desse embate entre a necessidade de um sistema econômico voltado para atender necessidades humanas e a urgência de preservação dos recursos, restou o desafio de superar-se a visão estrita da racionalidade econômica, patrimonialista e devastadora, que gerava benefícios para poucos e danos para todos. Para tal superação, foi necessário traçarem-se novos pressupostos, pois ficou posto o problema de como intervir, do que se pretende com tanto e, ainda, da necessidade de se avaliarem os efeitos que esse agir pode gerar nas complexas e entrelaçadas esferas do ambiental, do econômico e do social.

É sobre o desafio da mudança das mentalidades e da construção social de novos pressupostos de ação comprometidos com as propostas de desenvolvimento sustentável, por meio da educação ambiental, que este artigo aventa nas próximas linhas, construindo inicialmente breves fundamentos teóricos, tanto jurídicos quanto educacionais, para então relatar um caso pedagógico prático de experimentação das filmografias seguidas de debates, como meio para veicular conteúdos de uma nova relação de conhecimento e de ação.

1 Praticar educação ambiental é prevenir
A reflexão e a crítica sobre as questões ambientais requerem inicialmente um modelo de sociedade a ser pensado. É nesse espaço que gravitarão os objetos de análise, ora separado, ora integrados, eis que as propostas de transformação surgem e delimitam-se na interação dos fatos com as propostas teóricas. Assim, adotam-se como pontos de partida, ainda que aqui brevemente expostos, formulações do sociólogo alemão Ulrich Beck (2002) quanto à sociedade de riscos. É em torno do seu “manifesto cosmopolita”, que propõe a pertinente similitude com o “manifesto comunista”, que se pretende estabelecer o contexto de educação ambiental discorrido neste texto: se o manifesto comunista tratava do conflito de classes, o manifesto cosmopolita elabora formulações para os conflitos e os diálogos em âmbito transnacional-nacional (BECK, 2002, p. 22).

Assim, é importante ressaltar que Beck cria um modelo em que se distinguem dois momentos da modernidade: o primeiro, marcado pelo Estado-Nação e pela preponderância da noção de território; e o segundo, caracterizado por processos tais como globalização, individualização, revolução dos gêneros, subemprego e riscos globais. Neste último grupo de processos encontram-se as crises ecológica e econômica (BECK, 2002, p. 2).

Segundo Beck (2002, p. 8), os riscos encontram-se na esfera da segunda modernidade, uma vez que seu controle é interno aos processos de administração e de tomada de decisões, porém extrapolando os limites da esfera nacional; ou seja, são ameaças de natureza política, econômica, social e ecológica às sociedades humanas, que suplantam o domínio de controle restrito dos governos específicos – o que não os exime de responsabilidades, pelo contrário. O manifesto é cosmopolita e o que se busca é estabelecer contornos de uma democracia transnacional, com cidadania mundial consciente, interpretação pós-nacional dos fenômenos culturais, e com defesa dos direitos humanos e compartilhamento das cargas de riscos (BECK, 2002, p. 27). Para o autor, a concepção de risco, seu uso para adjetivar a sociedade e, a partir disso, levantar elementos para aferição de ameaças, depende de um enfoque interdisciplinar, de imaginação sociológica, e do acolhimento da noção de segunda natureza, qual seja, aquela fabricada pela tecnologia humana (2002, p. 6).

A respeito da crise ecológica – por vezes o autor amplia, discutindo-a como crise ambiental (v.g., p. 8) –, é relevante destacar que a globalidade dos riscos não se identifica com a igualdade global dos riscos, afinal nem todos os que produzem e se beneficiam dos riscos necessariamente vêem-se afetados por eles, assim como outros que não se beneficiam sofrem com os resultados nefastos. Nos termos de Beck, “[...] la primera ley de los riesgos medioambientales es: la contaminación sigue al pobre” (2002, p. 8). Nesta linha de argumentação, o autor não afasta da análise outros dados, os quais permitem compreender um contexto mais amplo e complexo de crise ambiental. Exemplo disso é ter em conta os problemas econômicos e sociais, tais como as relações entre pagamento de dívidas externas e investimentos internos (que resultam minados) em saúde, profilaxia, alimentação, energia, água, transporte e outros elementos fundamentais de subsistência.

Contextualizado o problema, assim, nos processos de risco da segunda modernidade, ressalta-se que um dos objetivos centrais da educação ambiental pode ser apontado como formar consciências individuais que se apropriem de um modo peculiar de pensar e de sentir que implique ponderações valorativas nos processos decisórios decorrentes da produção e da intervenção no ambiente, tanto em micro quanto em macro escalas. Nesse sentido, educar consiste em um fazer ver que prepare à cautela, anterior à produção de quaisquer danos. Como afirma Paulo de Bessa Antunes, “é através da educação ambiental que se faz a verdadeira aplicação do princípio mais importante do Direito Ambiental: o princípio da prevenção” (2005, p. 213), no ponto preciso em que uma reparação ao estado anterior das coisas resulta faticamente impossível ou inviável. Como corrobora Helita Barreira Custódio, a qualidade preventiva intrínseca à educação ambiental “torna [-se] cada vez mais essencial [...] como pressuposto básico ao reconhecimento dos direitos, dos deveres, da probidade, das responsabilidades, em todos os setores, perante a sociedade presente e futura” (1999, p. 39).

Assim, a educação ambiental pode ser entendida como uma ideologia educacional, conforme esclarecem Raquel Sparemberger e Maiquel Wermuth, norteada por um caráter “político e emancipatório” (2006, p.12), e compõe-se enquanto conjunto específico de idéias que operam cadeias complexas de raciocínios, ao imantar as ações com objetivos, de modo a se alcançar um estado de coisas correntes em desenvolvimento sustentável. Este modo de desenvolvimento alcançou nítidos contornos com o Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1987, que tinha como um de seus objetivos definir uma agenda para ação e apontou o desenvolvimento sustentável como saída para a grave crise ambiental diagnosticada. Este Relatório “destacou os três componentes fundamentais deste novo modelo de desenvolvimento (o sustentável): proteção ambiental, crescimento econômico e eqüidade social, reconhecendo a necessidade de mudanças tecnológicas e sociais para que se pudesse alcançar eqüidade e crescimento sustentável”, conforme explica Patrícia Mousinho (apud TRIGUEIRO, 2003, p. 357-358).

Esta conjuntura requer, conforme Maurício Waldman, uma “visão abrangente de cidadania, configurada em responsabilidades compartilhadas e difundidas nos diversos recortes sociais, políticos e econômicos” (2003, p. 554-556). Logo, irrestritivamente todos, Estado, sociedade civil, empresas e indivíduos devem ser cautos agentes educadores para a consecução de tais fins.
Nessa linha de entendimento Roberto Santos aponta que o ideário ambientalista também pode ser considerado uma ética específica, vez que os conceitos presentes no conjunto de idéias e nos programas de ação ambientalistas criam uma atmosfera moral nos grupos humanos. Tal ética configurar-se-ia sobre os esteios teóricos dados por James Lovelock, com a proposta de Gaia – o planeta Terra entendido como um ser vivo –, e por Ignacy Sachs, considerado o pai do conceito de desenvolvimento sustentável, propugnando por um desenvolvimento em harmonia com a natureza e menos concentrador, mais democrático e mais participativo, qual seja, o humanismo ambientalista (1999, p. 241-245), modo de pensar complexo que considera os aspectos humanos, sociais e econômicos, concentrado na feliz expressão “ecossocioeconomia” (SACHS, 2007).

Em vista disso, destaca-se que o direito fundamental ao meio ambiente é intergeracional e intercomunitário (SPAREMBERGER; WERMUTH, 2006, p. 17), individual e coletivo simultaneamente, referente a um macrobem, de modo que demarca razões suficientes para agregar as comunidades em torno de um dever comum de responsabilidade compartilhada pelas ações sobre o ambiente, sejam estas diretas ou indiretas. Isto porque, seja pelo consumo, pelo trabalho, ou mesmo pela simples existência em sociedade, todos estão envolvidos em algum momento da escala produtiva. Da geração e do consumo de energia até a produção de resíduos, todos se coligam aos efeitos, estejam incluídos nos sistemas ou deles excluídos: se não compartilham dos benefícios, no mínimo suportam o deplorável.

Como assevera Waldman, “a questão ambiental se confunde com todos [os] corpos simultaneamente e ao mesmo tempo, e aponta para a superação de todos esses corpos isoladamente” (2003, p. 546). Ao usar o termo “corpos” este autor refere-se aos movimentos sociais, cujos objetos são corpos específicos, tais como o corpo da mulher, do negro, do indígena ou do homossexual; todos estes corpos encontram-se assentados no corpo maior: o ambiental, que é o corpo da vida, da existência e da diversidade. Assim, pode-se afirmar que se trata de uma identidade a ser compartilhada por indivíduos, setores, estamentos, instituições. Esta afinidade deverá ser informada e fundamentada nos princípios da prevenção e da participação quanto aos indivíduos cidadãos, conduzidos por escolhas guiadas pela racionalidade ambiental, conscientes das evidências de uma crise ambiental e crentes na necessidade e na possibilidade de condutas sustentáveis, o que gera um espaço de luta política em defesa de condições humanas.

A foz da discussão, assim estabelecida, é a ecocidadania, a ser construída pela ecoeducação, que segundo Sparemberger e Wermuth necessita motivar-se pela urgência “da participação de toda a coletividade em um processo de educação ambiental que viabilize a conscientização política acerca da importância que o meio ambiente saudável representa para a humanidade” (2006, p. 35). Assim, a dimensão do desafio da cidadania ambiental coloca-se sob diversas perspectivas inafastáveis do conjunto de conceitos de educação ambiental. Nisso é essencial o esclarecimento em termos de natureza e sociedade como espaços de cidadania, enfocando-se a luta e as conquistas das vertentes do ambientalismo (WALDMAN, 2003), que transcenderam em seu bojo aspirações restritas de movimento social e estabeleceram deveres gerais de conduta. Ainda, nesta linha de entendimentos, pode-se arrazoar o direito à educação ambiental e o direito à conscientização pública (CUSTÓDIO, 1999) e suas correlações com os deveres de prestação e de tutela, sendo que também é fundamental a busca da qualidade de vida como resultado de uma gestão ambiental que considere a necessária conjugação do caráter ético e político com os desafios de alocar recursos em cenários de escassez, concentração e desigualdades materiais (RIBEIRO, 2003).

Para Waldman, a construção da cidadania ambiental, determinado o legado de lutas históricas dos movimentos ambientalistas e sindicais, passaria pela participação compartilhada de três esferas de atuação conjunta: administração pública (nos âmbitos federal, estadual e municipal); sociedade civil (nas escolas, empresas, universidades e comunidades locais) e, por fim, o indivíduo, “com o cidadão atuando no espaço da sua casa, do bairro, do seu local de emprego e assim por diante” (2003, p. 555). Ou seja, em se tratando de cidadania ambiental, todos devem estar comprometidos e as consciências necessitam ser educadas para tanto.
Nesse sentido, é relevante o argumento de Custódio, que após estudo extensivo da legislação nacional e internacional sobre o tema concluiu pela imprescindibilidade da educação ambiental permanente, associada a outras formas de educação complexas, que conjugam elementos econômicos, jurídicos, políticos, técnicos, científicos, portanto indissociada da educação geral e de modo a constituir-se em um fator “essencial à conscientização de todos em defesa do meio ambiente, da vida e da Nação [...] constitucionalmente indispensável a todos os níveis de ensino e à conscientização pública para o meio ambiente” (1999, p. 56).
Juarez Freitas (2007, p. 371-384) conceitua e diferencia extensivamente os sentidos de prevenção e de precaução enquanto princípios e deveres do Estado Democrático de Direito. De modo sintético, ambas as formas são incidentes em conformidade aos graus vislumbrados de possibilidade de ocorrência do dano e à razoabilidade do temor desta ocorrência. O princípio da prevenção, para Antunes (2005, p. 213) o heraldista da educação ambiental, escora-se na certeza de ocorrência do dano como efeito de determinada conduta. Já o princípio da precaução funda-se na verossimilhança do dano, ou seja, em uma embasada convicção da factibilidade do dano provável, sustentada por indícios e presunções que permitem aferir motivos consistentes para serem tomadas medidas prudentes, afinal o desenvolvimento pretendido é o equilibrado, sensato e sustentável. Tal fundada convicção, ou juízo de verossimilhança, nas decisões estatais deverá basear-se em parâmetros rígidos de definição, cujos meandros e conteúdos são detalhadamente indicados por Freitas (2007) ao longo de seu texto, tendo em vista que as medidas envolvem o uso do dinheiro público e a obrigação de consistentes motivações. Além disso, as determinações constitucionais incumbem ao Poder Público tarefas mais sérias, graves e abrangentes quanto à mensuração de riscos e à efetivação de medidas de ingerência para fiscalizar, preservar e restaurar, ou seja, acondicionar processos de intervenção no meio.
Nesse contexto ressalta-se também a ampla divulgação midiática do tema, que embora possa ser criticada em diversos aspectos, não deixou esta questão intocada, afinal “discutir temas como soberania, apropriação desigual de recursos naturais e qualidade de vida permite ampliar a participação popular no trato da questão ambiental. Também auxilia no entendimento do problema e suas conseqüências” (RIBEIRO, 2003, p. 416).
Dessa forma, parece evidente a necessidade do fomento à educação ambiental de forma ampla. Por isso, no item seguinte investigam-se brevemente alguns princípios orientadores da educação ambiental, corolários das lutas de movimentos sociais, reuniões e documentos internacionais, fundamentais ao pensamento dos envolvidos na prática pedagógica que objetiva o desenvolvimento da racionalidade ambiental.

1.2 Princípios informativo-fundamentais da educação e da racionalidade ambientais
A segunda metade do século XX foi fecunda em discussões internacionais preocupadas com o meio ambiente, como a Conferência de Estocolmo em 1972, de Tbilisi em 1977, da Constituinte de 1987 e da ECO 92 no Brasil, só para citar alguns poucos exemplos. Neste movimentado contexto pode-se afirmar que houve a reconceitualização do próprio homem, tão custosa se mostrou, em termos existenciais, a conjuntura problemática. Idéias como esta foram assimiladas pelo ordenamento jurídico brasileiro, de modo que se impõem por força constitucional (especificamente no artigo 225), assim como regulamentações normativas infraconstitucionais, onde designadamente destaca-se a Lei n° 9.795, de 27 de abril de 1999, e ainda por orientações dispersas em resoluções dos órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que compõem o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA).
O artigo constitucional nº 225, VI, define a incumbência estatal de promover a educação ambiental em todos os níveis e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente. A Lei n° 9.795/1999, por sua vez, estabelece em seu Capítulo II a Política Nacional de Educação Ambiental, sendo que em seu primeiro Capítulo é definido o conceito normativo de educação ambiental, e no terceiro são traçados mecanismos de execução desta mesma Política Nacional. Antunes (2005, p. 220), ao analisar esta Lei, traça-lhe uma série de críticas quanto à clareza, técnica jurídica e quanto à factibilidade de implantação. As “gritantes falhas” que esta legislação contém, na opinião do autor, embargarão a viabilidade de implantar muitas de suas disposições. Porém, não obstante a possível precariedade desta lei, dela se pode retirar um grupo de orientações a quais o educador deve se apropriar para sua prática pedagógica, agindo na consecução dos objetivos postos na lei. Independentemente da imprecisão técnica ou terminológica, os elementos de conteúdo podem ser resgatados, construídos, ou mesmo preenchidos pela interpretação de autores como Ignacy Sachs, ao menos no âmbito de aplicabilidade desta proposta por indivíduos.
O conceito normativo de educação ambiental toma por base o ensino ambiental como meio em processo pelo qual indivíduo e a coletividade constroem um corpo de valores, de conhecimentos e de competências voltados para conservar o meio ambiente. Antunes (2005, p. 214) ressalta a diferença entre conservação e preservação ambiental, tendo esta como objetivo da educação ambiental, que, por ser ambiental, é mais ampla do que a ecológica, visto que considera o entorno humano e suas criações como elemento de preocupação na análise, sem restringir-se aos aspectos naturais.
É importante esclarecer que a educação, tanto nas modalidades formal e informal, “é uma atividade constante e permanente que se faz a todo dia e em todos os locais” (ANTUNES, 2005, p. 215), diferenciando-se, assim, de escolaridade, que marca o ensino formal. Nesta situação, o autor pondera a dificuldade de inclusão da educação ambiental enquanto incumbência da sociedade, pois, além de ausência de previsão constitucional expressa de tal dever também à “sociedade”, a lei infraconstitucional considera a sociedade como um todo, o que o autor reputa como conceito abstrato e mesmo autoritário, eis que ele entende a sociedade como conjunto de indivíduos diferenciados, jamais um todo em bloco. Finalmente, os princípios da educação ambiental, na ótica da Lei n.º 9.795/1999 (especialmente no artigo 4º), abrangem o enfoque humanista, holístico, democrático, concebendo o meio ambiente em sua totalidade, englobando meio natural, sócio-econômico e cultural, sob o enfoque da sustentabilidade. Além disso, deve-se considerar o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas sob perspectivas inter, multi e transdisciplinares, vinculando-se ética, educação, trabalho e práticas sociais em um processo educacional contínuo e permanente, criticamente avaliado, presente nas dimensões locais, regionais, nacionais e globais e com o reconhecimento e o respeito da pluralidade e da diversidade individual e cultural (ANTUNES, 2005, p. 216). Acresça-se, ainda, a perspectiva intradisciplinar.
Vistos brevemente os princípios que norteiam a educação ambiental, passa-se a discutir no próximo item a proposta de Enrique Leff, autor cuja visão de mundo abarca muitos dos objetivos da educação específica, agregados na noção de racionalidade ambiental.

1.3 A racionalidade ambiental e os caleidoscópios da vida
Enrique Leff, em Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade e poder (2001, 343 p.), cujas idéias são condensadas neste item, argumenta por um conceito de ambiente composto por um saber e uma racionalidade ambientais que, conjugados, arranjam uma imagem conceitual, uma visão a orientar processos decisórios nas práticas de transformação ambiental. Trata-se de uma base de raciocínio crítica e complexa porque questionadora dos paradigmas e das verdades estabelecidos, além de interdisciplinar, por propiciar o diálogo entre saberes múltiplos e intercambiáveis. Com a proposta pedagógica contida neste artigo pretende-se exercitar a visão interdisciplinar recomendada pelo autor, na medida em que se utiliza uma análise de documentário e de obra de arte fílmica (Estética) como ponto de partida para uma discussão educacional que visa à consecução de um objetivo constitucional (Direito e Política) no implemento de uma racionalidade ambiental (Epistemologia) com fins de promover a qualidade de vida de todos em um ciclo sustentável de desenvolvimento econômico (Sociologia e Economia do Desenvolvimento).
Para Leff, a racionalidade ambiental, por meio da abordagem interdisciplinar e por vias do redimensionamento e da recriação dos objetos de conhecimento, pretende desconstruir a racionalidade capitalista, ou econômica, na medida em que esta capitalizar inclusive a vida e mostrar-se restrita ao valor único e exclusivo do lucro a qualquer custo não-econômico. Trata-se de ressignificar as subjetividades e os valores do humanismo na contemporaneidade, de modo prospectivo para o alcance de um novo sistema produtivo sustentável. A dimensão crítica proposta pelo autor incide inclusive sobre disciplinas do campo da Ecologia (como a Antropologia Ecológica), Engenharia Ambiental, ou quaisquer outras áreas do conhecimento qualificadas por “ambiental” (por exemplo, Educação Ambiental), no momento em que essas disciplinas se apresentarem como especializações fechadas em si, ocultando, assim, a complexidade das relações entre distintos processos e assumindo caráter de racionalidade capitalista nos adstritos traços degenerados que Leff critica (em suma, quando os valores patrimoniais sobrepujam os humanistas e existenciais). Perceba-se que a crítica não é à produção capitalista, mas sim ao seu aspecto “selvagem”.
O problema de que Leff trata não se encontra restrito no objeto, mas na racionalidade que se propõe a conhecer, a valorar e a legitimar o objeto. Deste modo, nem toda disciplina ambiental, rotulada pelo termo, necessariamente tem seu objeto raciocinado pela ótica ambiental, esta nos termos propostos pela teoria do autor. Portanto, incumbe ficar alerta mesmo perante os discursos ditos de desenvolvimento sustentável, quanto mais os de capitalização da natureza e da vida, de homogeneização cultural e de dominação do Estado e do mercado. Estas realidades práticas e discursivas devem ser confrontadas com os valores, juízos e potenciais do paradigma ambiental, eis que este, obviamente, em larga escala, se enraíza e se comunica com o desenvolvimento sustentável, sendo-lhe seu substrato epistêmico, a partir de tantos aspectos comuns de solidariedade intergeracional e do postulado ético de responsabilidade presente e futura. Assim, conjugando-se a noção de desenvolvimento e o conteúdo dos direitos humanos em suas ramificações políticas, sociais, econômicas e ambientais (SACHS, 2002, p. 47), balizado por critérios socais, culturais, ecológicos, ambientais, territoriais, econômicos e de política nacional e internacional (SACHS, p. 85-88).
Retoma-se Leff (2001) para frisar que para ele a educação é entendida como um meio privilegiado de fomento à ação concreta, ou seja, “um processo de conscientização sobre os processos socioambientais emergentes, que mobilizam a participação dos cidadãos na tomada de decisões, junto com a transformação dos métodos de pesquisa e formação” (2001, p. 253). Portanto, a educação é considerada uma ponte entre o ambiente (contextualizado no saber e racionalidade ambientais) e a qualidade de vida, fim maior e sentido da existência humana.
O sistema educativo, nas dimensões de produção científica nas universidades, na formação de professores, na definição de currículos e de práticas de ensino formais e informais, deverá conter em sua organização pedagógica, segundo Leff, o poder de transformar ordens econômicas, políticas e culturais conjuntamente à mudança das consciências e comportamento das pessoas, formando o substrato mental “para orientar a transição para a sustentabilidade” (2001, p. 237). Trata-se da assimilação, no sistema educativo (ressalta-se, formal e informal) das ecosofias, compreendidas no conjunto de pensamento da complexidade, método da interdisciplinaridade, filosofia da natureza e ética ambiental, propondo-se valores de convivência, solidariedade e integração com a natureza, além da busca pela eqüidade social e pela democracia participativa. Nesse contexto, o autor considera a possibilidade de uma educação ecológica popular, nos passos da pedagogia freireana, ressignificada pelos princípios de sustentabilidade ecológica e de diversidade cultural.
Leff ainda enfatiza a necessidade de “um processo educativo que fomenta a capacidade de construção de conceitos pelos alunos a partir de suas ‘significações primárias’” (2001, p. 246), considerando a aprendizagem como “um processo de produção de significações e uma aproximação subjetiva de saberes” (2001, p. 246).
Para tanto, propõe a visão holística via processos interdisciplinares, de modo a se promover a sustentabilidade endógena dos diferentes habitat, considerando-se sempre os suportes físicos e as inscrições culturais de cada espaço, além das hibridações de técnica e cultura e do crescente enredamento das relações entre ser humano e natureza, ou seja, a segunda natureza fabricada de que fala Beck (2002, p. 6).
Em vista dos argumentos de Leff, não se pode olvidar da preciosa lição de Sachs no sentido de que o Sul “poderia ter evitado alguns dos problemas que estamos atravessando no Norte se tivesse pulado etapas em direção à economia de recursos” (2002, p. 58).
A estratégia que guia a construção do texto de Leff, ora em análise, e que pode orientar sua interpretação – assim como pode ser um referencial para a interpretação tanto de The Corporation quanto, e em especial, de Koyaanisqatsi – é análoga à formação de imagens em um caleidoscópio – o autor indica isso na introdução do livro, para justificar o recorte dos capítulos e a recorrência dos conceitos. Etimologicamente, caleidoscópio é aquilo que permite ver (-scópio) o belo (caleido-). Nele profundem luminosas imagens, em constantes transformações, tal como nas malhas de luz dos filmes. O que a arte belo torna, por representação, é em si e em suas externalidades, faticamente belo? Esse juízo de valor pode ser expandido a critérios mais profundos, no sentido de que mais do que a sensação estética, os espectadores possam entender as práticas e os interesses sociais subjacentes às belas imagens e o que pode ser revelado nesta relação. Tais questionamentos são nevrálgicos para a proposta deste artigo.
Ao retornar-se mais uma vez a Leff, objetivando concluir a delimitação da racionalidade ambiental como caleidoscópio, percebe-se que a escritura do autor demonstra uma aplicabilidade das idéias que defende. “Germe de um saber em construção” (2001, p. 13), o caleidoscópio que Leff construiu é movido pelo desejo amoroso de saber (em que entram inconsciente, desejo de saber e psicanálise), que “tropeça com seu entorpecimento, busca a luz e se precipita em seus próprios abismos” (2001, p. 13). Neste entendimento metafórico, se caleidoscópio é o objeto que torna o belo visível, a racionalidade ambiental poderia ser o que pode tornar belo um mundo a ser construído sustentavelmente.
Afora estas reflexões, considera-se ainda a ênfase dada por Leff, perceptível nas passagens de densidade teórica e relevância epistêmica, quanto da consideração do processo de conhecer redimensionando tanto a postura do sujeito que conhece quanto do objeto conhecido, numa dialética reconstrutiva do mundo, e também os pontuamentos sobre linguagem e pensamento utilizados para mediar, materializar e comunicar tal processo. Afinal, o projeto é de integração interdisciplinar para se pensarem os problemas e as realidades ambientais como desafio, fundado em valores e táticas cognitivas num processo cuja construção ainda se inicia e que, portanto, depende de ações concretas para se efetivar.
Dessa maneira, com racionalidade ambiental pretende-se significar a estrutura mesma da analogia do caleidoscópio: globalização, desenvolvimento sustentável, economias ecológica e produtiva, dívidas financeira, ecológica e da razão, ética ambiental, direitos culturais, movimentos sociais, cidadania, modernidade e pós-modernidade, inconsciente e psicanálise, universidade, educação, pedagogia, cultura, epistemologia, habitat, demografia, tecnologia, vida, saúde, qualidade de vida. Os tantos conceitos nada mais são do que diferentes cristais, em forma, matiz e translucidez, que se combinam e se arranjam em diferentes angulações para compor e criar múltiplas realidades, em movimentos constantes. Seus espelhos podem ser entendidos como sustentabilidade, racionalidade, complexidade e poder, e a luz que ilumina as imagens em constante mutação seria a luz da racionalidade ambiental, estando todo esse referido conjunto contido no tubo do saber ambiental. Em vista deste trato da matéria, pode-se objetar certa redundância argumentativa, ao que se afirma sua justificação, tanto neste texto quanto no de Leff (2001), por força da complexidade do que se pretende captar. Qualquer tentativa de resumo do texto de Leff acaba sendo nada mais do que a fotografia de um momento de combinações do caleidoscópio naquilo que parecer mais representativo de cada arranjo, ao mesmo tempo em que a leitura fornece elementos para que se possa compor novas imagens. O momento aqui escolhido foi o de considerações sobre a pedagogia e a educação ambientais.
No item seguinte estabelecem-se brevíssimos pontuamentos de The Corporation e de Koyaanisqatsi: life out of balance, só para recomendá-los como pontos de partida propositivos da racionalidade ambiental, enfocando-se na proposta de estratégias pedagógicas metodológicas com vistas à implantação de filmografias seguidas de debates, em cursos superiores.

2 As experiências com as filmografias
O planejamento e a execução de uma Filmografia, enquanto evento de extensão universitária, requer várias estratégias metodológicas, que muito sucintamente podem ser condensadas nos seguintes passos: elaboração e preparo de material de divulgação; abertura do evento extensionista, com uma palavra institucional que explique a importância e o porquê de uma atividade totalmente interdisciplinar que pretende realizar a integração acadêmico-científica entre a pós-graduação e a graduação; exibição do filme, seguida de um intervalo de 15 minutos; início dos debates: cada um dos professores-pesquisadores faz suas colocações-síntese sobre a obra; ampliação do debate à participação dos alunos (graduandos, especializandos, mestrandos e, eventualmente, doutorandos) e membros da comunidade externa que não sejam de outras instituições de ensino; encerramento das discussões e do evento, com a amarração dos pontos temáticos discutidos; avaliação realizada pelos participantes; certificação das participações; redação de relatório com os dados do debate.
O debate proposto é capitaneado por professores de ensino superior que sejam também pesquisadores dos temas correlatos à discussão, e também por um gestor empresarial. Após as falas dirigidas de cada um destes profissionais abre-se o debate ao público presente, para suas perguntas, comentários e considerações críticas. Como na platéia costuma haver pessoas que se enquadram em uma ou mais das representações de consumidores/clientes, comunidade, fornecedores, meios de comunicação, trabalhadores (público interno), governo e sociedade, e todos têm interesses diretos no meio ambiente, fica potencialmente completo o círculo de opiniões dos principais atores envolvidos no fenômeno da atividade empresarial (stakeholders), governamental e individual responsável com vistas à sustentabilidade.

2.1. The Corporation: a doença das corporações implode o “nosso futuro comum”
O documentário “A Corporação” (The Corporation, Canadá, 2004, dirigido por Mark Achbar e Jennifer Abbott e baseado em roteiro adaptado por Joel Bakan, de seu livro The Corporation: the Pathological Pursuit of Profit and Power) permite debater a “doença” das grandes corporações, começando pela interessante origem da figura legal da “pessoa jurídica”. Em meados do século 19, nos Estados Unidos, valendo-se de uma Emenda Constitucional que garantia os direitos dos negros recém libertados da escravidão, algumas empresas clamaram para si o direito “individual” à propriedade e ao lucro, intitulando-se "pessoas". Após diversas apelações, a Suprema Corte americana reconheceu o direto das corporações e, desde então, elas assumiram uma “personalidade legal”. Aproveitando esse mote, os diretores do documentário The Corporation fizeram uma análise crítica dos grandes grupos empresariais.
Por meio de depoimentos de presidentes de grandes empresas, intelectuais e ativistas sociais, o filme mostra o comportamento das corporações. Analisando a “personalidade” da “pessoa jurídica” corporativa, o documentário utiliza os critérios da Organização Mundial da Saúde para fazer o diagnóstico psiquiátrico das grandes empresas. Por causa desse tipo alternativo e criativo de narrativa é que se fala em “doenças” das empresas. Entre os sintomas apresentados pela empresa “doente” estão: desinteresse em relação aos sentimentos dos outros; incapacidade de manter relações duradouras; despreocupação com a segurança dos outros; incapacidade de experimentar o sentimento de culpa; propensão a mentir e a enganar, e incapacidade de se conformar com as normas sociais e o respeito às leis e costumes. Cada um desses “sintomas” é ilustrado por casos relatados pelos entrevistados. O diagnóstico final é o pior possível: as corporações têm um desvio de personalidade grave, que pode ser considerado um comportamento psicopata. Apesar disso, o filme mostra que há chances de mudanças, como é demonstrado por alguns gerentes corporativos que caíram em si sobre essas problemáticas e então passaram a agir pautados por uma racionalidade distinta, a denominada “racionalidade ambiental”.
O documentário levanta diversos temas para uma profunda reflexão sobre a sociedade capitalista, baseada no individualismo e no consumo inconsciente. Por isso sua exibição gera um profícuo debate, em que os professores pesquisadores da área do Direito Constitucional explicam os princípios e os direitos fundamentais que norteiam o assunto e podem trazer os temas abordados no filme para a realidade atual, especialmente para os conflitos que vêm ocorrendo na América do Sul no que se refere à privatização da água e do gás natural, para a falta de identidade e de respeito das grandes corporações com os lugares onde instalam suas plantas, para a violência moral e psíquica que encetam em seus ambientes laborais, levando ao assédio psíquico dos trabalhadores, todos cenários de gritantes violações de direitos humanos e fundamentais das pessoas. Os professores do Direito Penal Econômico também podem aprofundar a discussão de pontos tratados no filme analisando as questões sociológicas e teóricas do Direito Penal de risco, levando o debate para a criminalidade empresarial, notadamente ambiental, frisando por fim que o comportamento das corporações reflete a falta de referências da sociedade atual. Professores ligados à disciplina de "Ética Empresarial” levantam questões relacionadas à sustentabilidade, aos direitos fundamentais e à ética, pois as posturas adotadas pelas corporações podem ser questionadas e têm reflexos em todas as esferas sociais, políticas, culturais e econômicas. Professores do Direito Ambiental podem pontuar como as empresas colaboram, com os danos que geram, para os fenômenos do aquecimento global e das mudanças climáticas, e como podem se somar na construção de uma nova racionalidade ambiental, notadamente pela ação preventiva ao invés de compensadora. Pesquisadores do Direito do Consumidor explicam o que é o consumo induzido e inconsciente e como é possível conquistar e fidelizar consumidores exigentes, respeitando-os pelo respeito ao meio ambiente, pois já há em torno de 30% deles, no Brasil, que não se importam em pagar mais por um produto que tenha sido produzido por empresas socioambientalmente responsáveis. Por fim, algum gestor de empresa pode reconhecer os erros historicamente cometidos pelas corporações, mas também ressaltar o grande salto que muitas delas têm dado no que se refere à governança e à responsabilidade social no contexto do inadiável padrão de desenvolvimento sustentável.

2.2. Koyaanisqatsi: uma leitura da vida (des)equilibrada sob a ótica ambiental
O filme “Koyaanisqatsi: vida fora de equilíbrio” (Koyaanisqatsi: life out of balance) foi produzido ao longo de dez anos e lançado em 1983 por Francis Ford Coppola, tendo sido fruto do trabalho do diretor Godfrey Reggio, do cinegrafista Ron Fricke, do músico Philip Glass e de outros colaboradores. A insólita película não tem diálogos e mostra, durante 87 minutos, imagens audiovisuais que instigam o espectador à percepção do choque de dois mundos: a louca e desequilibrada vida urbana tecnologizada e o meio ambiente intocado no contexto norte-americano. Apesar de o lançamento ter sido feito há 25 anos, as reflexões levantadas pelo diretor do documentário são atualíssimas: o aquecimento global, o consumo excessivo e a proeminência da tecnologia permanecem na pauta do dia. A obra vem acompanhada de um documentário intitulado “Essências da Vida”, que pode ser apresentado antes do filme como modo de sensibilização da platéia quanto à construção da narrativa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se afirmando que as Filmografias seguidas de debates, quando executadas, se transmutam em um importante e eficaz instrumento de construção da nova racionalidade, que é a ambiental, eis que ao se levar às comunidades da academia e da vida comum os resultados da pesquisa científica, utilizando um canal de divulgação tão atrativo e marcante quanto o permite o da linguagem do cinema, está-se estimulando o pensamento das pessoas na direção de idéias sustentáveis em todos os seus níveis de atuação. Com isso, além de aproximar a academia da realidade social, e de um modo muito convincente – ao fazer dialogar várias áreas do conhecimento humano –, os eventos são projeto vivo de educação ambiental pautada nos mais nobres valores constitucionais que exigem a concretização do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no artigo 225 da Constituição Federal. Reforça-se que o inciso VI deste artigo exige a promoção da “educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”. Assim, a empresa que é a instituição de ensino superior cumpre com uma de suas mais importantes funções sociais, auxiliando solidariamente o Poder Público, a quem inicialmente cabe a efetivação daquele direito.


REFERÊNCIAS


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segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Artigo científico selecionado e apresentado no 3° SEMINÁRIO PARA A SUSTENTABILIDADE – FAE Centro Universitário

Artigo apresentado em 12 de novembro de 2008 no 3° SEMINÁRIO PARA A SUSTENTABILIDADE, promovido pela FAE Centro Universitário. Foi apresentado de acordo com a metodologia de exposição oral amparada em PowerPoint, seguida de debates, no contexto do painel sobre a área temática “Gestão Social e Políticas Públicas para a Sustentabilidade”, explorando a subdivisão “Direito ambiental e ações para a sustentabilidade”. (Leia a notícia completa).



A COBRANÇA COMO INSTRUMENTO
DE CONTROLE JURÍDICO DO USO DA ÁGUA E
SUA INSUFICIÊNCIA DIANTE DO DESENVOLVIMENTO
SOCIOAMBIENTAL SUSTENTÁVEL


Robson Ochiai Padilha
(Mestrando em Direito - UNICURITIBA)
padilha@tedeschiepadilha.adv.br



Gisela Maria Bester (Professora
do Mestrado em Direito – UNICURITIBA) gisela.bester@aena.br




RESUMO

Este artigo tem por objeto a análise jurídico-normativa da cobrança do uso da água, em meio à problemática decorrente da aplicação cega da racionalidade econômica no trato das questões ambientais. O objetivo principal é demonstrar a inconsistência da cobrança como forma de controle do recurso hídrico, já que o atual modelo econômico de consumo veio provocando, nas últimas décadas, uma profunda degradação socioambiental. Como resultado, espera-se que o presente texto contribua para com o debate ambiental, especialmente com a análise crítica da Lei de Recursos Hídricos brasileira, sendo tal norma de suma importância para o desenvolvimento sustentável do País.

Palavras-chave: Neoliberalismo, Escassez da Água, Cobrança, Sustentabilidade, Regulação
Estatal da Economia, Direito Ambiental.

INTRODUÇÃO

O atual estado do meio ambiente é um assunto emergencial de relevância mundial. Reconhecido como tema transversal, exige abordagem multi e intradisciplinar, abrangendo, no caso do Direito, muitas das suas subáreas, estando intimamente relacionado, entre outras, com as do Direito Constitucional, Administrativo, Civil, Penal, Processual, Empresarial, do Consumidor e do Trabalho. Nenhuma disciplina jurídica pode ignorar sua importância e os problemas ligados à sua degradação, tais como o aquecimento global e as mudanças climáticas.

Particularmente em matéria de recursos hídricos a situação é assaz alarmante, principalmente porque há, no mundo contemporâneo, um sério problema de contaminação e de aumento de sua demanda, o que tem provocado a situação de escassez da água. Nenhuma atividade humana sobrevive sem água, razão pela qual a Constituição Federal brasileira instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, a qual elegeu o princípio do poluidor-pagador como forma de controle do recurso já degradado. Mas, ainda que se faça a cobrança de quem em princípio seria o poluidor, há que se criticar essa racionalidade economicista, a qual, dentre outros efeitos, já ocasionou o consumo irresponsável, gerando uma emergência socioambiental.

Os recursos hídricos não poderiam ser simplesmente apropriados somente pelo pagamento do quanto por eles é cobrado, já que isso ocasionaria um desvirtuamento do caráter público e social da água. Ainda, a lei deveria adotar não somente um caráter punitivo, mas também um critério promocional do Direito, incentivador de condutas positivas e de comportamentos sustentáveis, ambos necessários em tempos de crise ambiental.

1. O TENSIONAMENTO DA RELAÇÃO SOCIEDADE–NATUREZA

Sabe-se que na Grécia antiga o sentido da existência só poderia se escorar em mitos e divindades. Segundo Ademar Heeman, “os valores caíam do céu, mediados pela voz do soberano, que de modo indiscutível ditava o significado e o destino de todos. Com autoridade irrestrita, essa figura divina concentrava todos os poderes e legitimava o certo e o errado, o bem e o mal.” (2000, p.10)

A sociedade grega defendia a existência de uma relação muito próxima entre o homem e as forças naturais. A natureza era considerada sagrada, até porque não se conseguia explicar racionalmente os diversos fenômenos naturais que aconteciam. Os deuses egípcios também tinham seu poder representado por forças naturais e astros celestes. E como a tecnologia humana de tais épocas não permitia melhor compreensão, controle, ou mesmo dominação das forças da natureza, o homem estava numa certa relação de igualdade com os demais seres terrestres, vivendo todos sob a égide das leis naturais.

Com o surgimento do Cristianismo despontam as primeiras manifestações ideológicas de dominação do homem sobre a natureza. A influência da doutrina cristã aumentou no mundo, e com ela o ensinamento bíblico do livro do Gênesis: “Crescei, multiplicai-vos e dominai a Terra.” (Gn 1, 2728) Concebia-se então o entendimento de que a natureza fora criada por Deus para benefício do homem. A conseqüente expansão do Cristianismo auxiliou na progressiva inversão da relação de poder entre o homem e a natureza.

Luciane Tessler explica que, “a partir do século XIV, com o estabelecimento do Humanismo, aparecem os primeiros discursos de índole antropocêntrica que, reforçados pelo ideal iluminista e o racionalismo, acabam consolidados, sobretudo, após Descartes.” (2004, p. 26) A existência humana é supervalorizada pela própria ciência, propiciando esta o melhor entendimento sobre as forças da natureza. A lógica e a razão instrumental se sobrepõem à crença da natureza como representação divina. O iluminismo valorizava a ciência ao invés da crença divina, alterando aos poucos a forma de racionalizar a natureza e o mundo.

O surgimento do Estado Liberal, no século XVIII, reforçou a ideologia do homem no centro dos acontecimentos, de modo a pregar a dominação total do meio ambiente como meio de alcançar o “desenvolvimento” na modernidade. A Revolução Industrial aprimorou as técnicas e os conhecimentos de exploração, tanto que houve um enorme incentivo à criação de motores e ao conseqüente uso de combustíveis não-renováveis.

Por sua vez, o crescimento do comércio e o surgimento de novas escalas de mercado incitavam a livre apropriação dos bens naturais. Os recursos ambientais deixaram de ser vistos como fonte de subsistência para ser concebidos como fonte de matéria-prima para alimentar o processo produtivo em franco progresso. As reservas naturais foram sendo utilizadas para alavancar a economia, principalmente nos países industrializados, mas a exploração dos recursos ambientais ganhou escala mundial inclusive nos países mais pobres.

2. A SOCIEDADE LIBERAL E NEOLIBERAL

A ideologia liberal dava novo contorno à sociedade moderna, alterando profundamente a forma de apropriação de bens, inclusive de recursos naturais. Defendia-se a menor interferência estatal nas relações de mercado. A economia ganhou força e deveria funcionar livremente, para que fosse possível, pela concorrência, encontrar um preço natural aos produtos produzidos. Mas, se inicialmente havia uma concorrência predatória, num segundo momento da modernidade percebeu-se que no jogo da livre concorrência teria que haver duplo proveito. Isto é, maximizar o lucro para o vendedor e minimizar o dispêndio para o comprador. Michel Foucault definiu de forma muito clara esse segundo momento do liberalismo na modernidade:

        Encontramos portando a idéia, que estará agora no centro do jogo econômico tal como é definido pelos liberais, de que na verdade o enriquecimento de um país, assim como o enriquecimento de um indivíduo, só pode se estabelecer no longo prazo e se manter por um enriquecimento mútuo. A riqueza do meu vizinho é importante para o meu próprio enriquecimento, e não no sentido em que os mercantilistas diziam que o vizinho precisa ter ouro para comprar meus produtos, o que me permitirá empobrecê-lo, enriquecendo-me. (FOUCAULT, 2006, p. 75)

Assim, a partir dos estudos de Adam Smith, abandona-se o propósito do Estado como mero regulador do jogo econômico, pois a livre concorrência entre os países teria resultado negativo e insustentável. Para que o jogo econômico deixasse de ser um jogo de resultado nulo, seria necessário também que houvesse receitas permanentes e contínuas. Neste momento, o mercado concebe a idéia de expansão do comércio e produção em massa, mas a principal conseqüência dessa alteração do liberalismo moderno talvez tenha sido o incentivo ao consumo. O papel do Estado neste contexto seria o de regular e assegurar a relação de troca. Propaga-se assim pela Europa a idéia de desenvolvimento cooperado, com vistas a atingir um progresso comum.

Michel Foucault identificou neste contexto do mercado europeu a origem do fenômeno da mundialização. O comércio europeu começa a se espraiar pelo mundo, marcando também a expansão da racionalidade econômica, sendo que, esse fenômeno de mundialização do mercado altera igualmente a forma de governar. Neste momento a economia torna-se globalizada e tal fenômeno vai modificar as racionalidades e a relação entre o Estado e a economia. Nos estudos da origem do neoliberalismo, Foucault tratou da escola alemã denominada de ordoliberalismo, que defendia a idéia de concorrência pura no terreno econômico, ao mesmo tempo em que propunha medidas de intervenção estatal. A segunda grande escola destacada por Foucault foi o anarcoliberalismo americano, o qual procurou ampliar a racionalidade capitalista a campos tidos até então como não-econômicos, de modo a quantificar todas as condutas humanas e sociais. O papel do Estado neoliberal é o da vigia ou do controle das regras, mas o interesse preponderante é a proteção do sistema econômico, ou seja, governa-se para a economia de mercado e não para a sociedade. “O neoliberalismo não vai portanto se situar sob o signo do laissez-faire, mas, ao contrário, sob o signo de uma vigilância, de uma atividade, de uma intervenção permanente.” (FOUCAULT, 2006, p.182)

Nessa concepção reguladora da economia o Estado positiva as condutas de anti-monopólios, principalmente em nome da defesa da concorrência. A concorrência não é apresentada como um fenômeno natural do mercado, mas decorrente de um jogo de desigualdades e tendências de acumulação. A política neoliberal tem como tarefa arranjar o espaço para formar uma concorrência, ainda que ela exista somente para garantia de mercado, com a redução de preços. Portanto, seria preciso governar com vistas ao mercado, que necessitava da defesa regulatória da concorrência, a fim de criar proteção contra os abusos de sua própria racionalidade, que é autofágica.

3. A RACIONALIDADE ECONÔMICA

Para Michel Foucault, nesse contexto, de prevalência e dinâmica mercadológica, é que nasce a figura do homo oeconomicus, que, “não é o homem da troca, não é o homem consumidor, é o homem da empresa e da produção.” (FOUCAULT, 2006, p. 271) Trata-se de um sujeito de interesse distinto do sujeito de direito, no pensamento do século XVIII, e da noção de sociedade civil, correlata ao modelo de governo liberal.

Estabelece-se uma identidade mercadológica ao homem na medida em que a sociedade neoliberal importa a perspectiva empresarial das coisas. Assim, o homo oeconomicus neoliberal é o homem da empresa e da produção: a empresa se torna o agente econômico fundamental. Cada um é definido como empresário, o qual deve trabalhar para elevar seu próprio capital, de modo a superar as dificuldades do mercado. Essa noção egoística empreendedora acaba por influenciar e conduzir a forma de racionalizar a vida.

Porém, na sociedade com conotação empresarial, há problema de multiplicação de litígios, conforme também analisou Foucault:

        Quando mais você multiplica a empresa, quanto mais você multiplica os centros de formação de uma coisa como uma empresa, quanto mais você força a ação governamental a deixar essa empresas agirem, mais, é claro, você multiplica as superfícies de atrito entre cada uma dessas empresas, mais você multiplica as ocasiões de contenciosos, mais você multiplica também a necessidade de uma arbitragem jurídica. Sociedade empresarial e sociedade judiciária, sociedade indexada à empresa e sociedade enquadrada por uma multiplicidade de instituições judiciárias são as duas faces de um mesmo fenômeno. (2006, p. 204)


O sujeito econômico personificado em uma empresa se comporta no campo econômico na forma da concorrência em função de planos e projetos. Quanto mais a lei dá aos indivíduos a possibilidade de se comportar como querem na forma da livre empresa, mais se desenvolve essa racionalidade concorrencial, que faz aumentar o número de litígios. A busca individual e empreendedora pelo acumulo de capital, em obediência ao preceito concorrencial, acaba ocasionando um problema de perda de referenciais e valores humanos.

Em prol do lucro certos valores sociais e ambientais são ignorados. Cada indivíduo disputa seu espaço no mercado, ocasionando uma hipercomplexidade social, onde a atividade judicial é fomentada pelo aumento da disputa. Cabe também ressaltar as falhas decorrentes da racionalidade instrumental, quando o Judiciário é chamado a resolver casos cada dia mais complexos, nos quais há um direto confronto entre vários valores e princípios constitucionais, tais como: ordem econômica, contratos, delimitações da propriedade, função social da propriedade, dignidade humana, direito à vida, direito ao meio ambiente, proteção ao trabalho.

Na globalização cada sujeito seria incentivado pela economia a buscar seus interesses particulares, também como parte da racionalidade consumista. De certo modo, esse fenômeno que propaga a individualidade também prejudica a idéia de vida em sociedade, já que se age não propriamente em beneficio da coletividade. Por sua vez, o Estado não cria obstáculo ao interesse individual, pois a cada dia mais torna-se partícipe e regulador desse modelo econômico, no qual todos seriam conclamados a desenvolver seu próprio ganho, de modo a maximizar finalmente o processo.

Porém, essa racionalidade econômica não deveria ser adotada pelo Estado, conforme os ensinamentos de Foucault: “deve-se governar com a economia, deve-se governar ao lado dos economistas, deve-se governar ouvindo os economistas, mas não se pode permitir, está fora de cogitação, não é possível que a economia seja a própria racionalidade governamental”. (2006, p. 384)

É interessante anotar que existem diversas racionalidades além da econômica, mas esta prepondera na pós-modernidade em relação às demais. Nessa racionalidade economicista predomina a importância da acumulação do capital em detrimento aos outros valores indispensáveis à vida equilibrada em sociedade.

Milton Santos, ao criticar especificamente a racionalidade econômica, mencionou sua força e seu poder colonizatório sobre os demais campos do mundo da vida: “agora se pode, de alguma forma, falar numa vontade de unificação absoluta alicerçada na tirania do dinheiro e da informação produzindo em toda parte situações nas quais tudo, isto é, homens, idéias, comportamento, relações, lugares, é atingido”. (2007, p. 51)

4. A SUSTENTABILIDADE COMO NOVA RAZÃO

Pode-se dizer que tanto no modelo liberal, marcado pela liberdade de mercado, quanto no modelo neoliberal, grifado pela defesa da concorrência na pós-modernidade, prepondera uma lógica econômica, a qual muita vezes se sobrepõe aos interesses humanos, tal como a defesa promocional do ambiente.

São evidentes as várias conquistas recentes dos saberes tecnológicos e do acesso mundial a determinados produtos, bem como a importância do mercado nas relações sociais. Todavia, de outro lado, a busca pelo “desenvolvimento”, fundado na racionalidade meramente econômica, provocou enormes prejuízos sociais e ambientais com graves impactos, tais como: empobrecimento mundial, desemprego, novas doenças, crescimento de aterros e lixos tóxicos, contaminação da água, desertificação, poluição nas cidades, efeito estufa e aquecimento global.

De forma ainda bastante tímida, até por reação a esses eventos, a comunidade cientifica começou a discutir a noção de desenvolvimento a qualquer custo. Nasceu assim, segundo Enrique Leff, “[...] uma consciência ambiental nos anos 60 com a Primavera Silenciosa de Rachel Carson, e (que) se expandiu nos anos 70, depois da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, celebrada em Estocolmo, em 1972.” (2001, p.16)

As nações participantes da conferência, na cidade de Estocolmo, entraram em consenso de que seria necessário criar organismos internacionais, já que os problemas ambientais afetam a todos indistintamente. A nova proposta formulada na década de oitenta do século XX era alcançar o crescimento econômico sem impactar demasiadamente o ambiente e a sociedade. Surge então, a noção de desenvolvimento sustentável, como paradigma de uma nova racionalidade não meramente econômica. Para Enrique Leff, o princípio de sustentabilidade surgiu “como uma condição para construir uma nova racionalidade produtiva, fundada no potencial ecológico e em novos sentidos de civilização a partir da diversidade cultural do gênero humano. Trata-se da reapropriação da natureza e da reinvenção do mundo”. (2001, p. 31)

Muito mais do que uma forma de obstar a desmedida exploração dos recursos ambientais, o princípio da sustentabilidade propõe a mudança de valores, isto é, de racionalidade, pela alteração no modo produtivo e no estilo de vida da sociedade de consumo. Seria necessário conter não somente os abusos cometidos contra o ambiente, já que o conceito de crescimento sustentável reclamava o rompimento com a pobreza e a mudança do hábito consumista.

Como profundo estudioso do assunto, Ignacy Sachs acrescenta:

        Em nossa lista, a sustentabilidade social vem em primeiro lugar, pois ela se sobrepõe à própria finalidade do desenvolvimento. A sustentabilidade econômica e política são, ao contrário, de natureza instrumental, enquanto a ecológica ocupa uma posição intermediária, pois faz parte de ambos os domínios (finalidade e instrumentalidade). (2007, p. 297)

Portanto, a proposta de desenvolvimento sustentável estaria tripartida entre a necessidade de proteção ambiental, a promoção social e o crescimento econômico. A Assembléia-Geral das Nações Unidas, em 1983, reconheceu esse conceito de desenvolvimento sustentável como norma. O reflexo desse entendimento no Brasil pode ser notado com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 5 de outubro de 1988, que estabeleceu de forma expressa, no artigo 225, a defesa do meio ambiente como valor inerente e necessário à sobrevivência dessa e das futuras gerações.

É interessante anotar que a Constituição Federal de 1988, no capítulo da Ordem Econômica, estabeleceu, em seu artigo 170, preceitos que propagam dignidade humana, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades sociais, ao lado da racionalidade econômica, com a defesa da livre concorrência.

Especialmente para discutir a emergência ambiental, na cidade do Rio de Janeiro, em junho de 1992, os então 117 países integrantes da ONU – Organização das Nações Unidas, firmaram diversos acordos e protocolos, merecendo destaque a denominada Agenda 21, que comprometeu as nações signatárias a adotar métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica, criando um Fundo para o Meio Ambiente com o intuito de se tornar o suporte financeiro das metas fixadas.

Porém, tal período de inegável conquistas socioambientais coincidiu também com um cenário de maximização de lucros. Apesar das suscetíveis crises econômicas globais, é certo que o atual sistema favoreceu o aumento do lucro, mediante o alargamento do consumo, o que teria propiciado a acumulação de capital. Por outro lado, tem-se o aumento da pobreza e a diminuição do emprego, embora predomine a racionalidade econômica como forma de se alcançar o desenvolvimento, até mesmo nos países mais periféricos.

Os Estados Unidos consomem grande parte dos recursos ambientais do planeta e esse modelo econômico é propagado pelo mundo. Alain Touraine, ao criticar a expansão do consumismo, também acrescenta: “é impossível reduzir o consumo ao interesse e ao status social, porque ele é invadido tanto pela sedução, pelo recôndito tribal e pelo narcisismo, como por facetas que não se deixam reduzir à imagem de uma sociedade piramidal de produção.” (2002, p.152) O atual ritmo de consumo dos recursos naturais disponíveis supera a capacidade de recuperação da Terra, sendo tal fato notório na questão do petróleo.

Independente desses problemas, com graves conseqüências socioambientais, persiste no mundo a idéia de desenvolvimento social atrelado ao desenvolvimento econômico, que nada mais é do que a própria razão econômica. A globalização permite que produtores e investidores se unam cada vez mais, como se a economia mundial fosse um mercado comum, de modo a permitir o livre fluxo de capitais. Ademais, com os avanços tecnológicos e a difusão dos meios de comunicação, tornou-se mais evidente o poder de propagação mundial da razão economicista, que sobretudo, convida a todos à acumulação do capital e ao consumo, quando se sabe que apenas pouquíssimos o conseguirão.

Ignacy Sachs assim analisa o quadro atual do pensamento econômico dominante que se considera universalmente válido, o que lhe confere na realidade um caráter a-histórico e utópico:

    • na prática, tal atitude nada mais é senão uma tentativa de negar a existência de um campo próprio para as teorias do desenvolvimento sustentável, contra tudo e contra todos, que a transposição mimética das experiência dos países industrializado para o resto do mundo constitui a via acertada que leva ao desenvolvimento. (2004, p. 263)

Todavia, existe um certo consenso, pelo menos entre alguns doutrinadores, de que a economia de mercado deve em parte migrar para sociedade de mercado, esta que tem como característica principal a retomada dos valores socioambientais.

Milton Santos identificou o momento atual como sendo crítico. Veja-se:

        A crise por que passa hoje o sistema, em diferentes países e continentes, põe à mostra não apenas a perversidade, mas também a fraqueza da respectiva construção. Isso conforme vimos, já está levando ao descrédito dos discursos dominantes, mesmo que outro discurso, de crítica e de proposição, ainda não haja sido elaborado de modo sistemático. (2007, p. 168)

Como parte da construção do discurso crítico, surge a defesa da sustentabilidade, de modo a nortear uma epistemologia não só ambiental, mas também de cunho social. De outro lado, não se pode negar a integração da economia nessa nova racionalidade ambiental. Porém, é certo afirmar que na razão ambiental haverá uma retomada dos valores humanos, de modo a priorizar as questões coletivas e não apenas os interesses individuais.

5. A ESCASSEZ DOS RECURSOS HÍDRICOS

A sobrevivência humana depende do consumo contínuo de água para que sejam mantidos os processos vitais. Um homem precisa de, no mínimo, dois litros de água potável por dia para sobreviver. Todavia, quando se consideram as estruturas urbanas, onde além do consumo para sedentação ainda existe o consumo voltado para a higiene, esta média sobe para 100 a 200 litros por dia, por pessoa.

A sociedade sempre dependeu da disponibilidade d’água. Existem diversos exemplos históricos, de grandes civilizações, de grandes centros urbanos, que cresciam na medida da disponibilidade do recurso hídrico, como os egípcios em torno do Nilo, os maias na península de Yucatan, os habitantes da Mesopotâmia em torno dos rios Tigre e Eufrates e, no caso brasileiro, os diversos povoados fundados por bandeirantes em torno dos vários rios brasileiros, sendo que o Rio São Francisco pode bem sintetizar essa assertiva.

A água é utilizada em grande escala pelas empresas, já que a maioria das indústrias utiliza-na no processo fabril, de modo que sem o uso do recurso hídrico a fabricação de alumínio, ferro, medicamento, refrigerante, fertilizante, plástico, embalagem, papel, alimento, seria paralisada. Do mesmo modo, a agropecuária e a agricultura irrigada paralisariam suas atividades na falta do recurso. Por essa razão, tenta-se atribuir um valor econômico à água, já que seria em parte uma matéria-prima da atividade empresarial.

O recurso hídirico é finito, e importa lembrar que se 2/3 (dois terços) do Planeta Terra são constituídos de água, somente 2,5% (dois vírgula cinco por cento) desse volume é de água doce. Considerando que 69% (sessenta e nove por cento) da água doce estão depositados nas calotas polares e nos aqüíferos subterrâneos profundos, resta apenas um estoque mínimo de água disponível e potável.

O Brasil possui condição hídrica privilegiada, já que os recursos superficiais gerados representam 50% (cinqüenta por cento) do total de recursos da América do Sul, e 11% dos recursos mundiais. É fato que o Brasil possui um enorme potencial hídrico, o que faz parecer absurdo discutir o problema de escassez. No entanto, esta fartura brasileira é muito mal distribuída, tanto social quanto geograficamente. Grande parte da população menos abastada ingere água sem tratamento, que normalmente contém níveis inaceitáveis de coliformes fecais, dentre outros componentes prejudiciais à saúde. Portanto, já se detecta o problema de disponibilidade de água potável no Brasil.

Vladimir Passos de Freitas traça um breve panorama regional destes problemas:

        O Brasil, nos últimos anos, vem tomando consciência do problema. Afinal um povo que possui os maiores rios do mundo tem dificuldade em imaginar que pode ficar sem água. Mas, apesar de termos cerca de 13,7% da água doce disponível no mundo, a verdade é que os problemas vêm se agravando. No Nordeste a falta da água é crônica. No Sudeste ela é abundante, porém de má qualidade. A invasão de áreas de mananciais hídricos pela população carente é um dos maiores problemas de São Paulo. Os dejetos industriais lançados ao rio Paraíba do Sul tornam precária a água que abastece o Rio de Janeiro e outras cidades. Falta água para irrigar os arrozais do Rio Grande do Sul. (2002, p. 18)


Atualmente, a população mundial e a produção industrial vêm crescendo em um ritmo muito rápido, e, no Brasil, isto não é diferente. Isso acarreta o conseqüente aumento da demanda por recursos hídricos, que como já fora dito, se encontra em atual estágio de escassez.

6. A COBRANÇA COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE DO CONSUMO DA ÁGUA NO BRASIL

Conforme ensina Vladimir Passos de Freitas, “é possível dizer que durante décadas e mesmo sob a vigência do Código das Águas de 1934, o enfoque dado ao tema era sempre mais sob a ótica do direito privado do que do direito público.” (2002, p. 19) O Código Civil de 1916 era amplamente conhecido e aplicado, por outro lado, o Código das Águas sequer era muito lembrado, tanto que em parte caiu em desuso. A reação mais notável do Estado brasileiro no tema da água foi estabelecer o domínio exclusivo da União e dos Estados sobre os recursos hídricos – a chamada estatização da água, prevista na Constituição Federal de 1988 nos artigos 20, III e 26, I, talvez com o propósito de mitigar a idéia de propriedade individual.

Também com a edição do artigo 21, XIX, da Constituição Federal de 1988, estabeleceu-se a criação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, o qual foi regulamentado pela Lei Federal nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos. A Lei nº 9.433/97 dispôs sobre três principais aspectos: disponibilidade de água, utilização racional e cobrança como instrumento de controle e recuperação dos recursos hídricos.

A forma de implementação dessas premissas deverá ser amplamente discutida pela sociedade, já que os critérios de disponibilidade e o valor da cobrança irão causar enorme controvérsia. Atualmente, quando os consumidores pagam às companhias de abastecimento (no Estado do Paraná à Companhia Paranaense de Saneamento – SANEPAR), trata-se de uma contraprestação apenas pelo serviço de tratamento.

A nova cobrança de uso da água, prevista na Lei 9.433/97, será feita de forma cumulativa, o que certamente trará bastante discussão. “É evidente que o tema é polêmico e que acarreta sérias conseqüência econômicas. Imagine-se, a título de exemplo, uma indústria que venha utilizando há anos as águas de um rio e que se veja obrigada, agora, a pagar pelo uso.” (FREITAS, 2002, p. 22)

Para além desse aspecto de cumulatividade no pagamento do recurso, cumpre analisar primordialmente o critério racional-econômico adotado na Lei de Recursos Hídricos, já que tal modelo economicista teria proporcionado acumulação de capital, com o aumento da pobreza e a degradação ambiental, sendo tais efeitos insustentáveis. Ademais, é importante anotar que existem pouquíssimas normas no sentido de promover o desenvolvimento sustentável, isto é, incentivar o consumo consciente, o reuso da água, a redução dos impactos ambientais ou até mesmo a recuperação das áreas degradadas, devolvendo-as em melhor estado.

A técnica legislativa, ao invés de simplesmente cobrar (forma de punição), deveria promover e premiar condutas sustentáveis e conservacionistas, inclusive das empresas. Nesse sentido podem ser aproveitadas as preciosas lições deixadas por Norberto Bobbio:

        No caso de um comportamento permitido, o agente está livre para fazer ou não fazer alguma coisa, ou seja, está livre para valer-se da própria liberdade para conservar ou para inovar. Se o ordenamento jurídico julga positivamente o fato de o agente valer-se o mínimo possível de sua liberdade, procurará desencorajá-lo a fazer o que lhe é lícito. Como se vê, a técnica do desencorajamento tem uma função conservadora. Se, ao contrário, o mesmo ordenamento jurídico julga positivamente o fato de o agente servir-se o máximo possível de sua liberdade, procurará encorajá-lo a se valer dela para mudar a situação existente: a técnica do encorajamento tem um função transformadora ou inovadora. (2007, p. 20)


CONCLUSÃO

Procurou-se demonstrar neste breve artigo que em parte a cobrança pelo uso dos recursos hídricos é justificada pela possibilidade de recuperação dos cursos de água degradados, porém, é importante analisar também o problema relativo à seleção econômica decorrente dessa cobrança. O Brasil, por razões históricas, possui um sério problema de distribuição de renda, sendo este um forte inconveniente ao controle do consumo da água por meio da cobrança. As forças do mercado são insuficientes para conter os problemas de demanda e de consumo, preponderando, em casos de litígio ou na escassez da água, o poder econômico.

As grandes empresas, assim denominadas pela capacidade econômica e pelo controle do mercado, irão internalizar os custos decorrentes da cobrança da água. Ou seja, o pagamento pelo uso da água será incorporado ao custo do produto, de modo a transferir o ônus financeiro ao consumidor final. Na prática, não haveria maiores fábulas à cobrança, já que este custo seria repassado na cadeia de consumo.

Já as micro e pequenas empresas, assim denominadas pela falta de capital suficiente e pela incipiente participação no mercado, não poderiam absorver os novos custos da cobrança de forma satisfatória, ocasionando o agravamento do problema de distribuição de renda. Tais pequenos atores econômicos não detêm suficiente força no mercado globalizado para controlar o preço do produto, ou, ainda, não possuem margem suficiente para absorver esse novo custo financeiro. Ademais, a simples cobrança autorizaria a exportação da água em detrimento da necessidade de abastecimento no País.

Defensores da cobrança da água apegam-se no princípio do poluidor-pagador, claramente adotado pela Política Nacional de Recursos Hídricos, em seu artigo 4º. Trata-se da imposição econômica ao usuário, pela utilização dos recursos ambientais, já que o simples uso ou consumo, ocasiona a degradação ao meio ambiente. Portanto, o principal viés do poluidor-pagador seria econômico-reparatório, imputando ao poluidor os custos decorrentes da atividade poluente. Porém, dois problemas surgem dessa questão: primeiro o da imprecisão em determinar o grau de poluição provocada por cada usuário; não se investiga qual impacto foi anteriormente causado, nem quem foi o responsável pela escassez do recurso hídrico. Simplesmente cobra-se um preço, fixado segundo critérios de disponibilidade. Portanto, consumidores não exatamente são responsabilizados na proporção de seus danos. O segundo problema imediato seria que o princípio poluidor-pagador permite que a poluição seja autorizada, desde que pago o preço – a própria criação do mercado de carbono, nos termos do Protocolo de Kyoto, permite que países industrializados comprem “quotas de poluição”, de modo a prosseguir com suas atividades industriais nocivas ao meio ambiente –, além, é claro, de pautar-se pela racionalidade econômica, que fora a responsável pela exaustão dos recursos ambientais, pelo excessivo consumo e, finalmente, pelo presente aquecimento global.

Por um outro prisma, Enrique Leff alerta para outro problema:

        A natureza está sendo incorporada ao capital mediante uma dupla operação: de um lado, procura-se internalizar os custos ambientais do progresso atribuindo valores econômicos à natureza; ao mesmo tempo, instrumentaliza-se uma operação simbólica, um cálculo de significação (Baudrillard, 1974) que recodifica o homem, a cultura e a natureza como formas aparentes de uma mesma essência: o capital. Assim, os processos ecológicos e simbólicos são reconvertidos em capital natural, humano e cultural, para serem assimilados pelo processo de reprodução e expansão da ordem econômica, reestruturando as condições da produção mediante uma gestão economicamente racional do ambiente. (2006, p. 140)


Portanto, para Enrique Leff não seria possível monetarizar os bens ambientais. Por exemplo, não seria possível definir o preço da Amazônia, assim como não se pode atribuir preço aos seus respectivos rios. Quando a água passar a ter valor econômico, estar-se-á assimilando uma racionalidade economicista, de algo que não deveria ser simplesmente valorado segundo critérios meramente monetários, dada a sua natureza essencial. Assim sendo, em um segundo momento poderia ser monetarizado o uso do oxigênio, principalmente em locais com grave poluição atmosférica. Porém, tal critério de capitalizar os bens naturais subverte os valores de trocas, de modo a perpetuar a relação mercadológica e de apropriação dos bens ambientais, tal como nos modelos liberais, que resultaram na atual emergência socioambiental.


Enrique Leff complementa:

      Assim, as estratégias do capital para reapropriar-se da natureza vão degradando o ambiente em um mundo sem referentes nem sentidos, sem relação entre o valor de troca e a utilidade de uso. A economia do desenvolvimento sustentado funciona dentro de um jogo de poder que outorga legitimidade à ficção do mercado, conservando os pilares da racionalidade do lucro e o poder de apropriação da natureza fundado na propriedade privada do conhecimento científico-tecnológico. As estratégias fatais da globalização econômica conduzem a uma nova geopolítica da biodiversidade, da mudança climática e do desenvolvimento sustentado. (2006, p. 145)


A sociedade neoliberal busca a maximização de lucros e o incentivo ao consumo. Nesse cenário também extremante complexo e competitivo (intensificado até entre as próprias empresas) cada ator social disputa violentamente os escassos recursos ambientais, o que acaba ocasionando distorções econômico-sociais no próprio sistema. O resultado disso é o aumento no número de litígios e a instabilidade social, sendo tais situações contrárias ao desenvolvimento nacional e à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, como apregoa a Constituição Federal da República brasileira.

Não se deveria fazer preponderar o valor econômico da água, já que a vida, a dignidade humana, a saúde, o pleno emprego, o meio ambiente, as micro e pequenas empresas, ou seja, todo o conjunto de relações sociais e ambientais dependem da justa e ampla disponibilidade do recurso. A água, em princípio, não poderia ser considerada apenas como mais um produto de alto valor agregado, tal como o petróleo.

Tornar a água praticamente uma commodity a priori não resolveria os problemas de escassez. A simples cobrança tornaria possível a livre apropriação individual do recurso, o que em tese também afastaria a constitucionalizada propriedade pública da água. Por isso é que o presente artigo enfatizou o viés econômico da Lei de Recursos Hídricos, com o propósito de alertar para os problemas daí derivados e propor a discussão do tema segundo uma outra racionalidade, que ao mesmo tempo deve regular a atividade econômica e a atuação empresarial sem esquecer a necessária ordem/dever constitucional de sustentabilidade socioambiental, rompendo-se, assim, com a idéia de desenvolvimento econômico a qualquer preço.

REFERÊNCIAS:

BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função. Barueri: Manole, 2007.

FOUCAULT, Michel. O nascimento da biopolitica. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

FREITAS, Vladimir Passos de. Água: aspectos jurídicos e ambientais. Curitiba: Juruá, 2002.

HEEMANN, Ademar. Natureza e sociedade: a controvérsia sobre os alicerces da conduta humana. Revista Desenvolvimento e Meio Ambiente, Curitiba, UFPR, nº 1, p. 9-19, 2000.

LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

______. Racionalidade ambiental a reapropriação social da natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

SACHS, Ignacy. Rumo à ecossocioneconomia: teoria e prática do desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2007.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. São Paulo: Record, 2007.

TESSLER, Luciane Gonçalves. Tutelas jurisdicionais do meio ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

TOURAINE, Alan. Crítica da modernidade. Petrópolis: Vozes, 2002.